Violências
Muito cedo aprendi que os valores não eram os mesmos para meninas e
meninos.
E meu pequeno corpo aprendeu a docilidade amarga do sim, aceite!
Aceite que te maltratem, que não se desculpem, que te desvalorizem.
Tornar-se mulher foi aprender o lugar do desvalor.
Da palavra sem voz, da voz sem escuta.
Do choro sem consolo, da violência sem defesa.
Como muitas antes de mim, aprendi a sorrir para o agressor.
A transmutar fel em mel.
Venho de um longo percurso de violências:
Meus seios ainda nem tinham despontado e já me chamavam de puta,
pelo tamanho da minha saia na escola, aos nove anos de idade.
Cresci convivendo com meninas e mulheres, que como boas filhas do
patriarcado, consideravam umas às outras como competidoras, traidoras, infiéis.
Certa vez passando pela rua, um grupo de rapazes me lançaram a palavra
costumeira: puta!
E eu não teria ninguém a quem recorrer para me defender.
Reuni toda coragem que uma jovem de doze anos pode reunir e chutei um
deles.
Com a minha parca força e extrema coragem – entendi que teria eu por mim
mesma.
Mas ainda estava atada a cadeia da culpa.
Uma culpa difusa por ser mulher.
Vivendo a maldição de Eva, sangrei com vergonha e pari com dor.
Encontrei companheiros misóginos, fui agredida psíquica e fisicamente.
Corri por noites escuras e chorei rios de lágrimas.
Para sobreviver eu me coloquei no colo, me ouvi, me embalei.
Pari poemas sagrados para me reconstruir.
Chegaram livros de mulheres abençoadas que me consolaram.
E entendi que minha condição era a de inúmeras outras, anônimas e
conhecidas.
Aprendi a força que podemos ter como minoria se nos reunirmos, nos
ouvirmos, nos apoiarmos!
Coloquei-me em círculo e forjei no sofrimento o desejo de liberdade.
Colorido de rosa e roxo em uma bandeira feminista com os dizeres:
Igualdade!
Hoje sou “desaprendente” das opressões que me disseram naturais e
biológicas.
Desconstrutora das gaiolas impostas ao meu próprio corpo.
Artífice da minha própria voz, no ofício do reconhecimento da beleza da
sacralidade feminina.
Essa é minha sina: mulheres conscientes rejeitam torturas.
E não mais aturam tiranias, sadismos e covardias.
Não sinto mais culpa por ser mulher, ao contrário, me sinto honrada!
(Tatiane Moreira)
Fotografia escolar, eu com cinco anos, 1983.
Fotografia na passeata antifascista em setembro de 2018.
Lindeusa! Parabéns por ser essa grande e maravilhosa mulher!
ResponderExcluirGratidão Carla, mulher de danças!
ExcluirComo eu te entendo, mas vislumbrei essas atrocidades de um outro ângulo. Eu era o que a minha mãe chamava de"Saci" na mais pura acepção da palavra.
ResponderExcluirEu queria o mundo e quando fui apresentada ao patriarcado com o desabrochar da puberdade, eu me rebelei.
E a minha rebelião permanece. Luto pra fazer dela uma revolução todos os dias.
Revolução, não temos saída para fora disso!
ExcluirSensacional. É de arrepiar. Parabéns
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