Liquefeito

 Atravessamos tempos líquidos, nada é para durar, conforme aponta Bauman. Consumimos desenfreadamente os recursos da terra, a ponto de colocar nossa própria sobrevivência em risco. Passamos também a consumir pessoas, com a mesma voracidade com que devoramos as temporadas das séries midiáticas, com a mesma pressa com que passamos a timeline das redes sociais. Vemos, mas não enxergamos o outro a nossa frente, não lhe ofertamos nossa presença, facilmente dispersa pela vibração do celular nos chamando para mais uma mensagem, outro contato, nova notícia, outra promoção. As relações, frágeis, se liquefazem e desaparecem no ralo breve do tempo. Nada é para durar.

Histórias que descartamos num simples apagar de uma conversa, contatos que bloqueamos sem a leve consideração de um motivo, fruto de um narcisismo cego, em que só é possível mirar nosso melhor ângulo e qualquer confronto ou questão que nos ameace o olhar para além da imagem idolatrada do próprio eu, é afronta, é problema, é perigo. Qualquer esforço de compreensão é tarefa hercúlea. E para que dificuldades que ameacem nossa limitada zona de conforto? Melhor deixar ir.

O quanto estamos perdendo de potencial humano, de trocas significativas? O quanto estamos nos limitando a repetir mais do mesmo, ao invés de sairmos a navegar no desconhecido? A mergulhar nos mistérios um do outro e aprender o que não sabíamos, também sobre nós mesmos! Quando foi que nos enclausuramos em nossas conchas vazias de sentido, sempre em busca novidades, rapidamente consumíveis e descartadas sem ao menos olharmos para trás?

(Tatiane Moreira) 

Nele Azevedo, instalação Monumento Mínimo, 2014. 


Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007

Comentários

  1. Excelente reflexão !!!
    É isso, nos dias atuais, tudo é efêmero, tudo é descartável , principalmente no que tange aos relacionamentos...

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