Por mais mãos trabalhadeiras!

No livro: "Memórias de uma mulher impossível" da admirável Rose Marie Muraro, há uma dedicatória incomum e só compreensível para pessoas conscientes do quanto o trabalho doméstico utiliza do nosso tempo, da nossa energia e inspiração. Ela escreve: "Às minhas empregadas, Valéria e Rosilene, cujas mãos trabalhadeiras libertaram as minhas para eu poder escrever." Toda mulher que abraça uma dupla jornada de trabalho sabe o quanto é difícil chegar em casa e ainda ter toda a necessária tarefa doméstica para poder efetuar. Está sobre seus ombros, o sustento seus e dos seus filhos e ainda a água do filtro, o almoço para o dia seguinte, a limpeza do banheiro dentre outras tantas tarefas centralizadas e normatizadas sobre a figura feminina.  

O tempo para um poema, para uma dança, um desenho, para a leitura ou escrita da página de um livro sonhado ou é adiado por um cansaço justificável, ou não é executado por falta de libido, que gera falta de inspiração, ou ainda é vivido com o tempo roubado de outras tarefas e vivido com culpa, afinal o trabalho adiado volta sempre. 

Em tempos de popularização do discurso feminista, é muito importante não esquecermos das mãos trabalhadeiras, porque o discurso desprovido de ação não altera nada. É graças as mãos de tantas funcionárias domésticas, que outras e outros encontram tempo para o trabalho intelectual. E ainda que as mãos trabalhadeiras em seu lar sejam da sua companheira, sua mãe, sua avó, é certo também que elas tenham outras inspirações para produções que venham de suas almas, talvez seja um bordado, o cuidado com as plantas, talvez seja apenas o desejo de não fazer nada e apenas olhar as estrelas. A sobrecarga do serviço doméstico não pode continuar impedindo mulheres em suas vidas criativas. Precisamos de mais mãos trabalhadeiras para que elas possam criar o que desejarem para si mesmas e para o mundo.


 "Sem a luta de gênero, a luta de classes, a longo prazo, seria inútil" 
(Rose Marie Muraro) 


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