Na força das minhas ancestrais

Há muito tempo escrevi num poema que eu descendia de uma linhagem de mulheres amargas e sofridas. E nas camadas mais próximas da minha linhagem, essa é a verdade, mas não completamente. Amargura e sofrimento não significam ausência de força. E nos alicerces, nos ossos mais profundos da minha ancestralidade estão elas: 

Lilith visitando Eva, ajudando-a a vomitar a culpa que o patriarcado impôs sobre ela. 

A jovem Maria corajosa, levando adiante sua gestação sagrada e também todas aquelas que exerceram o livre-arbítrio, igualmente sagrado, de não levar adiante uma gestação. 

Maria Madalena, Verônica, Maria e Marta e todas as que tiveram a honra de encontrar Jesus - o doce homem - o que se fez defensor da mulher adúltera e ensinou que também nós, mulheres, podemos escolher a melhor parte e isso não nos será tirado. 

As bruxas queimadas nas fogueiras da inquisição. Seus corpos ao se tornarem fumaça espargiram pela terra seus saberes, suas vivências, seus orgasmos que jamais serão esquecidos, ainda que combatidos por cleros, pastores, governos e toda corja machista. 

Indígenas nuas, de quadris largos, integradas à natureza do seu território sagrado. 

Africanas que com seus olhares altivos sustentaram suas culturas, seus saberes e encararam com coragem seus opressores. 

A mulher branca que despertou para perceber as desigualdades sociais impostas sobre sua condição feminina, e consciente dos seus privilégios de cor e classe dá as mãos, a escuta e a palavra às mulheres indígenas e negras para juntas comporem suas lutas. 

As babalorixás com força e poder que expandiram seus territórios, fincando suas bandeiras e axés, comprando terrenos e seguindo no sacerdócio bendito do coração. 

As Pombagiras das encruzilhadas - Hécates divinas - sempre a orientar e proteger aquelas que se perderam por amor. 

As prostitutas, no ofício do corpo como ganha pão, e mesmo com toda a adversidade, houveram aquelas que conseguiram manter a consciência inviolada e o punhal sempre pronto para a própria defesa. 

As que lutaram, se impuseram, denunciaram, defenderam a mãe terra, as ideias, os corpos e a vidas femininas. Ambientalistas, Margaridas, Roses e Rosas, Marias da Penha. As que nunca serão interrompidas, mesmo com tiros na cabeça. Marielle, presente. 

Todas que levam adiante o archote da vulva iluminada, clareiam aqui e agora meu caminho. 





 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Das coisas que aprendi ouvindo Rita Lee - Menopower!

Alimente os peixes

Onde está o corpo artístico transcendente?