Sobre envelhecer, amar e outras revoluções possíveis
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Encontro-me no quadragésimo terceiro andar deste edifício chamado vida, um estranho edifício em espiral, que a cada volta nos recorda as muitas outras que passaram e que sentimos de alguma forma presentes em ondulações sob a pele. São justamente essas ondulações que nos marcam a tez, ou que ficam em nódulos difíceis de extirpar. É semelhante ao teste da menina num antigo conto, no qual ela sente o pequenino caroço de ervilha sob as muitas camadas de colchões sobre os quais se deita. No conto, o teste era para ver se ela seria uma boa esposa, na vida real se contextualizarmos a história podemos considerar o teste quanto as nossas percepções sobre as ondulações na espiral da vida, e apesar dos incômodos do passado sermos uma boa companhia para nós mesmas. Tudo dependerá do olhar que damos para nossa própria história, do quanto dimensionamos os acontecimentos.
A história traduz exatamente como me sinto: incomodada. Não com a passagem do tempo, ou com as comuns dificuldades cotidianas. Incomodada com o grande volume de sentimentos que se agitam em ondas na minha vida e que mal tenho dado conta de processar. Esse ventre sempre em chamas e sempre a chamar... essa mente sempre a criar... esse coração palpitante e esse olhar escafandrista que não encontra profundeza para mergulhar. Essa colcha de muitos retalhos díspares para combinar. Muitas palavras para dizer, sem ouvidos para escutar. Na janela desse estranho edifício, o horizonte está longínquo e as pessoas estão lá embaixo, nem me ouvirão se eu gritar. E é para me ouvir que escrevo estas linhas. Para melhor processar o que do ontem, está presente hoje. E que preciso deixar passar, dizer adeus, abandonar. Palavras tristes como dobrar uma coberta de uma noite de amor que não se repetirá, ou como o perfume que se esvai do frasco e só vai restar a memória.
Somos esses seres de passagem, com o coração em trânsito, perdidos entre o transitório, o efêmero. Mutações que nos mastigam, nos engolem, nos vomitam e recomeçamos de novo, nos recolocamos em ordem. O equilíbrio não é sobre permanecer no eixo, equilíbrio é sobre recombinar as misturas da vida, e extrair das experiências sempre um novo elixir que tenha maior consonância com quem somos hoje e amanhã não mais seremos.
Recordo: uma praça à noite com um chafariz iluminado, em uma cidade interiorana, eu criança olhando aquelas luzes colorindo a água, a presença plena naquele momento: sem pesar pelo passado ou anseio de futuro para o qual fugir. Talvez seja essa a minha imagem de equilíbrio: exercer a presença no aqui e no agora – olhando as luzes de quarenta e três cores colorindo a passagem do tempo.
(TMF – 08/02/2021)
Sempre tão bom ler seus textos - te ler!
ResponderExcluirAdorei o paralelo com a história da princesa e a ervilha, esta releitura fez todo sentido aqui. Também sinto a vida pulsando em mim, interessante perceber o quão fértil em todos os sentidos estamos nessa idade. Muito obrigada pela partilha!
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