Assovio

Ninguém abra a sua porta

para ver o que aconteceu:

saímos de braços dados,

a noite escura mais eu.

Começo com o “Assovio” dado por Cecília Meireles. Esse assovio acompanhou-me por toda noite, a noite escura mais eu. Dar os braços para noite significa acompanhar a própria sombra, acolher a solidão, exatamente porque nada significa. O silêncio estava presente, cortado apenas pelo som dos meus passos no asfalto. Da noite, eu não ouvia os passos, apenas sentia seu toque frio envolvendo meus braços. Não temia nenhum assalto. Afinal, como o próprio poema diz: “não posso perder mais nada, se o que houve já se perdeu”. E de perdas somos feitos, estamos todos marcados por alguma impossibilidade, portas e braços fechados para nos receber. Entre o sim e os nãos que recebemos, vamos nos fazendo, tecendo histórias e versos em uma tentativa desesperada de sobreviver aos golpes, as insinceridades, as vilanias de cada dia. 

“A noite não sabe meu rumo, eu não lhe pergunto o seu”, já que seguimos tantas vezes sem saber para onde e há sempre uma encruzilhada no caminho, uma escolha, uma dúvida. Como seguir? Cecília assovia:

Vou pelo braço da noite

levando tudo que é meu:

- a dor que os homens me deram,

e a canção que Deus me deu.

(Cecília e eu)



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