Escrever para não pirar
E cá estamos na estranheza dos dias velozes...
O carnaval passou, como de praxe trouxe sorrisos
(ritualisticamente segui o bloco para não ficar ruim da cabeça, nem doente do pé)
e tristezas (tem sempre alguém que não voltará vivo para casa:
um acidentado, um afogado, um assassinado, um desaparecido).
Placas tectônicas mostraram o quanto a terra está viva, movente.
E isso não será o bastante para despertar os seres humanos dormentes.
A síndrome de Burnout segue em alta
mostrando o quanto a forma como labutamos no ofício de cada dia
adoece a alma, essa instância do ser que carece de tempo e espaço
para viver mais devagar,
respirar mais profundamente e degustar os minutos
em vez de engolir as horas em ações desprovidas de sentido.
O feminicídio mancha as notícias todos os dias, todos os dias,
os estupros ainda indicam a perversão dos costumes
e eu finjo normalidade nessa terra insana.
Anoitece lá fora e aqui dentro.
Um pássaro escuro passou rápido pela janela.
Baratas voadoras teimam em invadir minha casa.
Faz um calor do inferno.
Na questão dos paradoxos há chuva em excesso e seca.
Palavras em demasia que nada dizem, conteúdos extensos
para militâncias de todas as ordens:
as urgentes e necessárias, as banais e ultrapassadas
como alguém escrever sobre submissão aos maridos.
2023! O tempo segue, enquanto nos arrastamos sob novas ordens
ainda pela velha manutenção do capital,
não importando quantos corpos, sejam de yanomamis, negros e mulheres,
jazem pelo caminho.
Frente a este horizonte qual esperança é possível?
Uma que não se traduz como fuga ou romantismo.
Uma que soe como resistência visceral e amor à vida!
Rebeldia para seguir na contracorrente, plantando sementes,
regando as plantas, alimentando os peixes, amando e sendo amado,
parindo com prazer o próprio ser na sombra e luz de cada dia.
(Tatiane Moreira)
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