A tabagista

Durante muito tempo tratei com a fumaça do tabaco as minhas feridas. 

Noites insones, amores desfeitos, angústias vividas, palavras dolorosas ouvidas, palavras silenciadas - tudo motivo para um trago profundo. Tudo transformado em fumaça cinzenta e triste.

Feito arma apontada para meu próprio peito e por mim mesma. 

Fuga, medo, covardia frente as visitas da dor. 

Durante muito tempo tratei com a fumaça do tabaco as minhas feridas. 

Como um legado amaldiçoado de família, na linhagem feminina, os lábios escuros daquelas que não conseguiram se exprimir. 

O povo terena tem no mito da origem do fumo, a história de uma mulher que não gostava do marido e por isso resolveu fazer um feitiço. Ele descobriu e lhe devolveu o mal em uma tigela de mel misturado com vísceras de cobra venenosa, ela saboreia. Ao descobrir isso, a mulher sai em perseguição para devorar e matar o seu marido. Ela cai em uma armadilha que ele havia feito há muito tempo, do buraco onde ela caiu e morreu, nasceu uma planta de fumaça perfumosa, boa de pitar, mas perigosa. 

É...

O tempo do fumo teve sua serventia doce e amargosa, na tênue linha entre o remédio e o mal. 

Durante muito tempo tratei com a fumaça do tabaco as minhas feridas. 

Já  consigo separar o que é venenoso, do que é curativo. Aquilo que não gostamos, não pode continuar como feitiço contra nós mesmas. 

E não importa quão fundo seja o buraco. Somos sementes. 

(Tatiane Moreira)



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