Tal qual uma Elvira pagã

 



Todos os homens desse nosso planeta
Pensam que mulher é tal e qual um capeta
Conta a história que Eva inventou a maçã 

(trecho da canção Elvira Pagã - Rita Lee)

    Cresci ouvindo esse disco da Rita Lee, e essa música, de maneira especial foi minha primeira iniciação ao feminismo. Na minha infância já era possível perceber o quanto carregar esse corpo feminino era fundante das experiências e percepções das desigualdades vividas. Ser percebida "tal qual um capeta" foi algo que me atravessou e também libertou, afinal "Eva inventou a maçã", o pecado e assim derrubou o interdito. Na voz da cantora todos os rótulos destacados revelam inverdades sobre o que significa ser e se relacionar com uma mulher. Moça bonita não fala, com mulher feia se trepa com um travesseiro na cara, não se confia em uma dama da noite, amigas que falam mal pelas costas, noivas e cinderelas nuas como foi um dia Elvira pagã.  

    Foi nessa cantoria que percebi que o silêncio favorecia nossa própria opressão e o quanto nosso corpo era reduzido a sua função sexual e nossa nudez era proibida e incentivada na mesma medida. Ou ainda como se tratava com desconfiança aquelas que ousaram pertencer às noites. O quanto mulheres precisam desconstruir competições para exercerem, de fato, a sonhada sororidade. A realidade fabricada do sonho matrimonial que não passava de um lixo e cinderelas impedidas de calçar um "sapatão" ou vivenciar seus desejos como bem quisessem passavam a vida em espera. Quantas vezes fazendo o café da manhã, senti que esse era o único momento em que era bom ser dona de casa ("Dona de casa só é bom no café da manhã..."). Ah! E o alívio de saber que nem minha mãe era uma santa! 

    E mesmo que essas concepções limitadas e opressoras tenham nos marcado pelos caminhos da vida com fogueiras e incompreensões, tudo isso pode ser adicionado nos caldeirões das feiticeiras, que a tudo transformam, como Rita fez ao longo de toda sua trajetória: como temperos para uma sopa, por vezes picante, amarga, salgada, levemente adocicada, forjada no fogo da luta por todas nós.

Bendita seja! Benza Deusa de Deus!!!

https://www.youtube.com/watch?v=Oy-oqcx9ofM

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Das coisas que aprendi ouvindo Rita Lee - Menopower!

Alimente os peixes

Onde está o corpo artístico transcendente?