70 carcaças de botos
70 carcaças de botos recolhidas
Serão enterradas? Incineradas? Esquecidas?
Quantos olhares indígenas sobre elas deitaram suas lágrimas?
E sopraram a fumaça do tabaco pedindo ao Grande Espírito que interceda?
70 carcaças de botos e 722 feminicídos nesse primeiro semestre!
Botos e mulheres - a natureza selvagem sempre ameaçada
pelos que não toleram a vida, a liberdade e a diversidade dos seres.
Quantas crianças não irão nascer porque o boto
não deixará mais as águas para dançar nas festas ribeirinhas
com as belas mulheres sacudindo saias e gargalhando felizes?
Suas carcaças são apenas uma nota de rodapé na apresentação de um jornal.
Suas vidas, seus sonhos desfeitos são uma breve notícia incapaz de causar comoção.
Quantas desumanidades somos capazes de suportar?
O termômetro segue subindo, rios seguem minguando.
Mineradoras continuam fabricando seu mar tóxico de lama,
ceifando vidas e modos de existir.
A insaciabilidade do Capital cravou as mãos e o membro em tudo.
Não vivemos mais, apenas consumimos
tempo, recursos, produtos e experiências de gosto duvidoso e artificial.
Enquanto seguimos a tela grudada em nossas mãos
no movimento repetitivo de inserir ou aproximar.
Mas ainda sonhamos a noite, sonhos tumultuosos e sombrios:
como o xamã profetizou: o céu está caindo,
no mar de lama nadam 70 carcaças de botos
fétidos e apodrecidos,
em meio a corpos femininos dilacerados.
Na menininha da minha infância
um rombo de desesperança feriu seu peito,
envelheceu seu sorriso.
No sonho a vejo baforando a fumaça de um cachimbo.
(Tatiane Moreira)
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