Ensaios de despedida


Quando você começou a morrer 

Parte de mim também 

entrou no processo.

A dor, essa barca escura 

já está ancorada no cais

guiando os seus passos 

para a longa viagem.

Seu braço paralisado,

suas lágrimas inconsoláveis 

e não há nada que eu possa fazer

para minimizar tudo isso. 

Assisto atônita, em mudo desespero,

com medo da amarga notícia. 


Revisitei minhas gavetas de filha 

todas as lembranças dobradas,

devidamente atualizadas.

Penduro no varal da memória

as mais caras:

nós dançando na chuva de um domingo qualquer,

partilhando a mesma mesa e o sabor do seu tempero inconfundível,

trocando confidências, lamentando juntas as marcas da vida,

tomando nosso café amargo.

Não há nenhuma dívida pendente.

Eu compreendo: cada um só dá o que pode 

dentro das condições impostas pela existência.

Tudo o que posso é agradecer de coração 

e guardar bem junto do peito 

sua imagem me acenando da janela de um domingo qualquer.

(Tatiane Moreira Ferreira) 


Eu e ela em 09/jul./2021




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