Das coisas que aprendi ouvindo Rita Lee - Menopower!

 

Vestida para matar em pleno climatério... Assim começa a canção, alguns anos atrás era uma realidade distante e a música já me preparava, hoje ela me atravessa de outra forma. Vestida para matar talvez se relacione com essa esfera de raiva que tem sido constante, especialmente quando estamos mais conscientes de quem somos, das nossas contradições, limitações e também toda a possibilidade que a vida poderia ser se nossa costumeira mediocridade permitisse. 

Lidar com a raiva é estar consciente dos limites e das formas que ultrapassamos ou permitimos que nossos limites sejam ultrapassados. Reconhecer a raiva é reconhecer a necessidade de nos resguardar frente aos disparates humanos que vivenciamos. 

A velha senhora só vai ficar mocinha no cemitério.... Reconhecer nossa finitude e a impossibilidade de retorno ao começo é caminho do amadurecimento. A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer? (Toquinho) Quanto dessa fixação na juventude nos impede de enfrentar as dores e delícias da madureza? Chega de derramamento de sangue, cinquentonadolescente - e porque contraditoriamente a adolescência surge na composição? Porque assim como adolescer traz toda uma série de mudanças, apreensões, medos e possibilidades, o climatério também. Mudanças, apreensões, medos e possibilidades. É como se redescobrir novamente, sob uma nova ótica e o quanto essa ótica estará descolonizada dos processos culturais que nos atravessam, nos limitam a padrões de beleza e utilidade, resultará em aversão ou abertura ao processo. Sem a fertilidade, é possível ainda se reconhecer desejável e desejante? Quantas mulheres mais velhas, na casa dos 40, 50 anos não se sentem mais atraentes, potentes, uma grande amiga disse: - “Envelhecer não é bom”. Outra querida passou a recusar fotografias, não via mais beleza em si mesma. 

A partir dos quarenta anos também sofri a quebra dos espelhos - me peguei cantando (e lamentando também, porque não?!): “os garotos do Leblon, não olham mais pra mim...” (Paralamas do Sucesso) Mas sustentei o desconforto e segurei minhas mãos. Se o olhar de fora me validou ao longo da juventude e amadurecimento, agora preciso da validação do meu próprio olhar. E que curativo é quando começamos os processos de nos descolonizar os padrões, ideais do que é ser mulher, especialmente uma mulher que envelhece em uma sociedade sexista, patriarcal e misógina. Quantos espelhos precisamos estilhaçar que não terão como contemplar nossa potência, beleza, sexualidade e equilíbrio. 

Quem disse que útero é mangue? Progesterona urgente!!! E aqui chegamos às questões complexas da saúde feminina. Se o clitóris foi ignorado na medicina por tantos anos, se os medicamentos contraceptivos ainda pesam sobre o corpo feminino com lento avanço para os corpos masculinos, imagina como estão os médicos sobre as questões do climatério? Consultas rasas e pouco elucidativas ignorando sintomas pesados como cansaço, insônia, irritação, medo, fogachos, esquecimentos... Aptos como estão para tratar o corpo como parte, o holístico não interessa. Tome este antidepressivo, essa vitamina, faça o Papanicolau, a mamografia - mas não problematize muito, afinal quem é o doutor aqui? Reposição? Veremos seu caso. Não reposição? Qual a saída então? Estamos no limbo procurando por respostas ou caminhos que a medicina ainda não aponta, ou aponta, mas para os bolsos fartos de dinheiro, não em uma consulta de dez minutos marcados em um convênio médico, quando se tem o privilégio de ter.  

Menopower pra quem foge às regras

Menomale quando roça esfrega

Menopower pra quem nunca se entrega

Melancólicas, vocês são piegas

A menopausa é um caminho de poder, envelhecemos, já passamos por muitas coisas, aprendemos tantas outras e desconstruímos outras, é de fato, um lugar de poder. Portanto é Menopower! É fugir às regras e convenções para se libertar! Não se entregar ao que a vigilância do status quo reserva para nós. E sim, melancólicas, chorosas - à flor da pele, somos mesmos piegas? E qual o problema?!

Haja fogacho pra queimar essa bruxa em idade média

Em mulher não se pode confiar com menos de mil anos de enciclopédia

Nas nossas próprias fogueiras - os fogachos. O quanto o nosso corpo e seu delicado manejo exige tempo, espaço, silêncio - como alcançar isso na frenética produção capitalista da vida? A linearidade produtiva do trabalho confronta a ciclicidade do corpo, da mente e do espírito. Necessidades ignoradas adoecem nossas vidas. 

A música também aborda o ponto delicado da confiança umas nas outras. O quão frágil é a sororidade, facilmente construída em discursos e traída na prática do convívio. Seguimos firmes no patriarcado competindo umas com as outras, sempre nos traindo de alguma forma. Incapazes ainda de nos oferecer admiração, apoio, consolo, amor puro e genuíno. Ilustro a cena: estive em uma ginecologista para um exame de Papanicolau e a mulher, sequer lubrificou as luvas para me introduzir os dedos, por que essa ausência básica da atenção na penetração do meu corpo, ela que também tem a mesma vulva, o mesmo canal vaginal? Por que não tornar o exame o menos desconfortável e o máximo acolhedor possível? Porque apesar do seu diploma médico, provavelmente não se pode confiar em uma mulher com menos de mil anos de enciclopédia. O quanto de fato estamos conscientes do que é habitar este corpo, sempre explorado, expropriado, torturado? O quanto de fato compreendemos que o jogo é contra nós, o tempo todo. Então porque não estamos do nosso próprio lado na luta, mesmo compreendendo as diferenças marcantes dessas lutas, conforme seja a cor da pele, o status social, a história de vida de cada um, única e ao mesmo tempo marcada pela cultura.  

O "chico" é tão incoerente
Ah, me deixa tiririca ao chegar
O "chico" quando vem é absorvente
E quando falta só rezando pra baixar

E menstruar vai se tornando cada vez um processo de transmutar sombras, de se tornar irracional, sensível como um bicho, incoerente Chico, ativa a raiva e ao mesmo tempo quando finalmente desce, após muita oração,  deságua alívio e toda uma trama de sentidos.

Tampax, tabelinha, ora pílulas, ora DIU

Diafragma, camisinha, vão pra mãe que não pariu

Chega do creme de aveia perereca da vizinha

Chega do bom caldo e "sustância" da galinha

E tudo que sempre incide sobre nossa fertilidade, dar conta dessa multiplicidade de cuidados e atenção é tarefa árdua, trabalhosa e da qual é um puta alívio dizer: CHEGA! 

 Valeu Rita! 





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Alimente os peixes

Onde está o corpo artístico transcendente?