Cuidado com a distância
Nas avenidas, próximo ao trabalho,
estão construindo um viaduto.
E para isso a velha Flamboyant foi cortada.
Ontem, eu quis fazer uma fotografia
da velha Flamboyant e não fiz.
Agora tenho apenas o que fotografei com a memória.
Mas a memória falha!
Já tenho dúvidas se as flores eram laranjas ou vermelhas?
Laranjas e vermelhas?
Tenho certeza absoluta de uma memória:
Após uma forte tempestade, uma faixa que o vento trouxe
envolveu os galhos da velha Flamboyant.
Ela parecia segurar a faixa como uma campeã.
Há quantas tempestades sobreviveu?
Hoje pela manhã,
ao ver todo terreno ao seu redor já delimitado,
considerei a possibilidade dela ser cortada
e mentalmente lhe enderecei palavras de liberdade,
da sua vida para além daquela forma de árvore,
da sua volta ao universo circundante.
Agradeci por ela estar ali pelo meu caminho
e por termos atravessado juntas este mesmo tempo histórico.
E já no final do expediente: cadê ela?
Cadê?
Um trabalhador varria o pó de serragem
que restou da sua morte
e levantava uma poeira fina,
dançante
sob a luz de mais um dia
miseravelmente quente.
E sem mais uma árvore de pé.
Cheguei muito tarde.
Eu quis fazer uma fotografia da velha Flamboyant,
mas deixei para o vão do amanhã,
que não chegou para a árvore
e nem para o meu plano imagético.
No metrô que aguardei em seguida,
a voz gravada alertava:
cuidado com a distância entre o trem e a plataforma.
Em mim as palavras soaram:
Cuidado com a distância entre o desejar e o fazer,
há um vão muitas vezes intransponível entre eles.
Será que já não temos asfalto demais?
Viadutos em excesso?
Veículos velozes para a cidade de concreto.
(Tatiane Moreira Ferreira em 08/10/2024)
Comentários
Postar um comentário