"Que a vergonha mude de lado" (Giséle Pelicot)

 

Quando as perversas lentes pornográficas cairão dos seus olhos?

Quando um par de seios, nádegas e vulvas deixarão de ser vistos como produtos em uma embalagem, 

chamada mulher - colocada a disposição de qualquer um. 

Esse território mulher exige consentimento para ser tocado.

Imagine então um corpo em sua infância ou tenra mocidade imaturos para essa escolha?

Dissociar o corpo da sua identidade, é objetificar o ser 

e justificar sua posse, seu uso e descarte.

Estupro é um sórdido prazer conspurcado

cujo rastro em nosso mundo é gerador de mortes, traumas e dores sem fim.

Por tempo demais, em verdadeiras histórias de terror 

boiaram corpos diversos em mares de sangue: bebês, crianças, meninos e meninas, 

corpos femininos de todas as idades, corpos masculinos, corpos trans.

sem vida, sem dignidade ou mortos em vida arrastando as correntes da vergonha, do medo 

ou da deslegetimidade. 

A vítima convertida em algoz - medusas sombrias - petrificadas.

Desacreditadas como Cassandra.

Quando esse pesadelo acaba?

Arranca de ti esses olhos perversos, decepa suas mãos imundas, converte-se em eunuco,

vomita sua sanha incestuosa, deixa sua compulsão morrer à mingua

e se não for o suficiente deita seu pescoço na guilhotina, entrega seu corpo as fogueiras.

Ou então, o mais difícil: ajuda a desconstruir o patriarcado que nos rege,

e que te outorga direitos sobre a vida e a morte dos corpos que não importam para o Capital.

Aprende finalmente que toda vida importa

e corpos não são objetos.

Nunca mais esqueça: 

um não silenciado, continua sendo não.

Que a vergonha mude de lado,

é o criminoso que carrega a marca sanguinolenta e que não se pode apagar. 

(Tatiane Moreira Ferreira) 

Grafite da artivista Laika (@laika1954) - em Milão, intitulada 'Esmague o patriarcado', a imagem retrata Giulia Cecchettin, vitima de feminicídio pelo ex-namorado e Giséle Pelicot, sobrevivente de estupros arquitetados por seu marido e outros cinquenta homens na França. 


Comentários

  1. Que a vergonha mude de lado! Que homens "comuns" entendam que é sobre eles, é sobre todos os homens criados sob as ordens do patriarcado!

    ResponderExcluir
  2. Excelente, minha amiga! Obrigada por colocar em palavras nossa indignação! Que elas possam inspirar muitas reflexões em lares, escolas, bibliotecas, rodas de conversas mundo a fora...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Jamais esquecer

Mãe - eterno amor